Gostaria de apresentar aos colegas participantes do karateca.net, o Sensei
José Lezón 6º dan de karate Wado representante da JKF WADO KAI em Portugal e
agora no Brasil reestruturando e divulgando seu estilo. Lembrando aos
colegas que no Brasil temos três correntes da Wado: 1) Sensei Koji
Takamatsu; 2) Sensei M. Buyo e 3)Susumu Susuki (falecido). E é com esse
último grupo que o Sensei Lezón está trabalhando no Brasil. Desde já assumo
a culpa pela infinidade de perguntas, mas não poderia deixar de fazê-la, já
que nem sempre, temos um pessoa do nível do Sensei Lezón com a sua boa
vontade de atender e responder as perguntas feitas. Se manifestarem o desejo
de fazer mais perguntas além das que aqui estão, fiquem a vontade, pois o
Sensei deve participar do fórum e poderá responder a todos. Sensei Lezón,
muito obrigado pela atenção e muito sucesso para o Sr. e que colha muitos
frutos do seu trabalho e possa contribuir com o karate em nosso País.
Oss
Ari
1) Como o Sr. foi apresentado ao karate ?
José Lezón - A minha entrada para o Karate, ficou-se a dever essencialmente
pelo fascínio da arte em si, acrescido ao fato de na época também existir
uma grande difusão cinematográfica. Em 1963, iniciei a carreira de
futebolista, como (Goleiro) no Sporting Clube de Braga, clube da cidade e
que hoje é o quarto clube mais importante do país.Em 1967, e tal como todos
os jovens na altura, e ainda porque era obrigatório, foi chamado a prestar
serviço militar. Nesta fase da minha vida e que era muito complicada para
todos os jovens na altura, pois Portugal estava em guerra nas ex-colónias, a
Guiné, Angola e Moçambique, fui incorporado no exército.Passados três meses,
foi seleccionado para tirar a especialidade de Polícia Militar, pelo que fui
parar ao regimento de lanceiros, em Lisboa. Foi aqui que comecei a tomar
conhecimento das Artes Marciais e, curiosamente, com o Judo. Na altura, ser
Polícia Militar não era nada fácil, já que na época era uma especialidade
bastante dura e difícil de tirar. Felizmente que, com algum sacrifício,
consegui obter a especialização e, com isso, ser Polícia Militar, o que de
certo modo me veio a compensar até ao términos da minha vida militar. Foi
então na Polícia Militar que me iniciei no Judo onde, para privilégio meu,
tive a sorte e a honra de ser aluno do grande Mestre Japonês, Sensei
Kobayashi, que aí era professor. Entretanto, acabei por ser mobilizado e, em
Janeiro de 1968, embarquei para a guerra de Angola.Em 1971, já livre de
todo o serviço militar, assisti a uma demonstração de Karate, que logo o
fascinou. Porém, só em 1972, iniciei a sua prática e no estilo Shotokan e
em 1975 o Wado-Ryu, tendo sido graduado em 1º.Dan em 1981. Então, depois de
uma pausa , recomecei a treinar e a estudar o estilo Wado-Ryu, ao qual se
dediquei profundamente a partir de 1988.
2) Com quais professores treinou e como influenciou em seu karate e na sua
vida ?
José Lezón - O meu primeiro professor foi Artur Lemos, com quem aprendi a
dar os primeiros passos. Seguiram-se depois Fernando Suissas, Tatsuo Suzuki,
Toru Arakawa, Naoki Ishikawa, Yasuaru Igarashi, H.Takashima, Yanagawa,
Hakoishi, Maeda, Takagi, e K.Sakagami . Mas os mestres que me marcaram
indelevelmente na minha vida de Karateca foram Tatsuo Suzuki e Toru Arakawa.
Pelo Wado-Ryu, percorri países como a França, Itália, Grécia, Inglaterra,
Espanha, Suissa, Austria, Noruega, Bélgica, Japão e agora o Brasil.
3) Poderia falar um pouco sobre o estilo Wado ? Qual a diferença em Wado-ryu
e Wado-kai ?
José Lezón - A mudanças realizadas pelo Mestre H. Otsuka no karate ensinado
pelo Mestre Funakoshi foram válidas ? O que diferenciou uma escola da outra
? Bom, vou falar sim das diferenças que existem no Wado-Ryu. Mas
primeiramente tentar desmistificar algo que me tem feito alguma confusão e
que tenho verificado existir aqui no Brasil, pois já várias pessoas tem
falado da mesma questão e vejo afirmações como esta: eu já fiz Wado-Ryu, mas
agora faço Wado-Kai. Então vamos lá esclarecer.
WA = Paz/Harmonia; DO = Caminho / Via; RYU = Escola; KAI =
Associação/Federação. Assim temos, WADO= Estilo; RYU = Escola, KAI=
Associação/Federação. O estilo de Karate é o WADO e não o RYU e/ou KAI.
Agora dizer-se que RYU é o estilo, é um absurdo, pois então não havia
estilos, todos eles são RYU…
Para os menos esclarecidos diga-se, existem neste momento três organizações
do estilo Wado, mas só uma é que tem o reconhecimento oficial não só do
governo do Japão, como da EKU e WKF que é a JKF Wado-Kai. As outras duas são
a Wado-Ryu Karate-do Renmei liderada por Jiro Ohtsuka, filho de Hironori
Ohtsuka, e a WIKF-Wado International Karate-do Federation, liderada por
Tatsuo Suzuki.A Zen Nippon Karate-do Renmei Wado-Kai, hoje designada por JKF
Wado-Kai, foi criada em 1934 por H.Ohtsuka, sendo a única instituição de
Wado que faz parte da Japan Karate-do Federation, e que portanto, tem o
apoio governamental. Voltando um pouco atrás, quando dizemos que estamos na
Wado-Kai, ou que treinamos Wado-Kai, quer dizer que treinamos o estilo
Wado-Ryu mas pertencemos à Federação JKF Wado-Kai. Penso que esclareci a
questão. Agora a questão do que diferencia o estilo ou do que o caracteriza.
Tecnicamente o Wado-Ryu não é um estilo fácil para um iniciado e muitas
vezes até para praticantes mais evoluídos. As técnicas realizam-se com
movimentos muito curtos e precisos, com conjugação da rotação do corpo,
fazendo-se projecções, que foram introduzidas por H. Ohtsuka, trazidas do
Shindo Yoshin-Ryu JuJutsu Kempo. São técnicas utilizadas e que originam
diversas acções motoras, o que dificulta a sua aprendizagem. Só com muito
treino e com o decorrer do tempo, se conseguirá tirar o verdadeiro proveito
e torná-las verdadeiramente eficazes. As posições têm o centro de gravidade
mais alto, contrariamente aos restantes estilos. Só assim se consegue fazer
as deslocações e esquivas com maior velocidade, fluidas e sem necessidade
de recorrer à utilização da força, fazendo-se o aproveitamento a força do
adversário para desferir o contra-ataque, que geralmente é feito em
simultâneo, ou seja, o chamado Nagashi Tsuki, técnica principal do Wado.
Este tem por base três elementos muito importantes: Nagasu, que é a forma de
deixar passar o ataque do adversário de forma muito simplificada, não se
afastando demasiado do mesmo para facilitar o contra-ataque; o Inasu, que é
a forma de desviar o ataque com os braços ou as mãos, do ponto em que o
ataque era direccionado, e contra-atacar no momento em que o adversário
utiliza a sua força, tornando assim o contra-ataque mais forte; e o Noru,
que significa entrar no adversário. Conclusão, o estilo Wado-Ryu se
diferencia dos restantes essencialmente por recorrer a técnicas de esquiva
(tai-sabaki e nagashi), a torções, projecções, imobilizações,
estrangulamentos e quedas (Kansetsu-Waza, Nage-Waza, Osae-Komi-Waza,
Shime-Waza, Uke-mi-Waza). É um estilo muito natural, fluído, onde todos os
movimentos se enquadram na forma natural do corpo humano. Para que se
entenda bem, quando se pratica as técnicas defensivas (Ukewaza), tudo é
praticamente feito em esquiva, com movimentação simultânea da cintura em
direcção ao oponente, fazendo-se o contra-ataque quase em simultâneo à
defesa (esquiva), aproveitando o máximo da força do adversário utilizada no
seu ataque. Este é um dos princípios do Wado-Ryu, obter o máximo de
eficácia com o mínimo dispêndio de energia e que o distingue dos demais,
para além do imenso manancial de técnicas trazidas do Shindo Yoshin Ryu
Jujutsu algumas das quais muitos poucos conhecem. A somar a outras, as
treinadas regularmente e que caracterizam o estilo, são os Yakusoko Kumite /
Kihon Kumite, - Treino com parceiro, com ataques e defesas onde os conceitos
avançados do Wado são treinados e que Sensei Ohtsuka criou e introduziu com
as bases do Shindo Yoshin Ryu Jujutsu. Em que se utilizam constantemente
técnicas de Yaku (chaves) e Nage (projecções), para além da grande
importância do ma-ai (distância), o Timing ( momento certo da acção e da
reacção), e o Zanshin (espírito de alerta). Trata-se de um treino em que é
exigido o máximo de concentração, a qual deve ser aliada a um relaxamento
muscular para permitir uma rápida reacção de movimentos imprescindíveis para
efectuar uma defesa eficaz.
4) O sr. representa o estilo em Portugal. Como está constituído o estilo em
Portugal ?
José Lezón - Em Portugal o estilo está representado na Federação 7
associações, e das três organizações de Wado que atrás já falei. A Wado-Kai
é representada pela AKWP-Associação Karate-do Wado Portugal, da qual sou
fundador e diretor técnico internacional.
5) Qual a sua gaduação e o que tem feito para divulgação da escola Wado ?
José Lezón - Em possuo a graduação de 6º.Dan, fui graduado em 1º,2º.e 3º.por
Tatsuo Suzuki, WIKF e 4º.5º.e 6º.por Toru Arakawa JKF Wado-Kai. Mas acredite
que nunca me preocupei com as graduações, senão hoje seria ainda mais
graduado. Sempre estive mais vocacionado para treinar e para divulgar e
expandir o Wado do que para outra coisa qualquer. Em Portugal quando em 1993
fundei a AKWP, o Wado-Ryu só existia praticamente em Lisboa. Depois, com as
vitórias alcançadas pelos meus atletas, num conjunto de 103 medalhas de
ouro, 79 de prata e 105 de bronze nos campeonatos regionais e nacionais de
todos os estilos, e ainda com 5 de ouro, 2 de prata e 3 de bronze nos
Europeus e Mundiais do estilo, WIKF, o Wado deu um salto muito grande, sendo
hoje um estilo muito respeitado e sempre em expansão. Hoje, a situação se
reverteu, já que o Wado passou a estar em grande força no norte do país,
onde o estilo não existia à data da fundação da AKWP. Fui eu que introduzi o
Wado no norte do país e hoje para além da AKWP, existem mais duas
associações formadas por ex alunos meus.
As grandes vitórias alcançadas a nível nacional e internacional, ajudaram
também a tornar o Wado um estilo sólido e expansivo. Saliente-se também que
com o aparecimento da AKWP, os atletas de Wado passaram a fazer
constantemente parte da selecção portuguesa, a qual tem hoje como
Seleccionador/Treinador, meu ex aluno e meu genro também, sensei Joaquim
Gonçalves 5º.Dan. E para que conste, a sua equipa sagrou-se há dias campeã
de Portugal de todos os estilos em Kumite. Como pode ver, o estilo Wado-Ryu
está de boa saúde, pelo menos em Portugal.
6) Como o Sr. vê o karate no momento atual. O karate-do está perdendo para o
karate esporte (olimpico) ?
José Lezón - Hoje eu vejo o Karate diferente do que via há 30 anos atrás.
Não na sua essência, mas sim nos métodos de treinamento e da sua própria
evolução e para onde caminha. O momento atual do Karate ele está sofrendo
de uma expetativa “doentia” do olímpismo. Digo isso sem qualquer sentido
pejorativo como é evidente. Como não foi desta feita que ele entrou nos
jogos, houve como que um desencanto, pois a expetativa que tinha sido criada
à possibilidade de entrar nos jogos foi bem alta, e agora está a pagar-se
por isso. Mas tudo vai passando e se normalizará com toda a certeza.
7) Em Portugal ou mesmo no resto da europa qual é a tendêncial atual para o
Karate ?
José Lezón - Em Portugal, como na Europa e ainda no resto do mundo, o Karate
continua a ser a arte marcial mais praticada. A tendência esportiva está a
enraizar-se cada vez mais por esse mundo fora, o que tem aspetos positivos e
outros negativos. Mas não vou falar agora nem de uns nem de outros, ficará
para outra oportunidade.
Qual entidade dirige o karate de Portugal, e estão filiados a qual
entidade (ITKF, JKA, WKF etc.,) ?
José Lezón - Os estilos ou escolas tem suas organizações própria
independente das Federações ?A entidade que rege todo o Karate em Portugal,
aquele que quer ser reconhecido, quer seja competitivo ou não, e usufrui do
apoio governamental e consequentemente o reconhecimento da EKU e WKF, essa
entidade é a FNK-P – Federação Nacional Karate Portugal. Existe uma outra
federação que só trata do estilo Shotokan, e que está filiada na ITKF, a
qual vive às suas custas e cujos títulos alcançados não são reconhecidos.
Quanto aos estilos de Karate, eles possuem as suas próprias associações que,
por sua vez, estão filiados n FNK-P, mas são completamente autónomas, tendo
a liberdade de se filiarem ou não na federação, sendo certo que noventa e
oito por cento delas estão filiadas.
9) Uma das coisas que já lhe falei e que achei muito legal, é a convivência
que tem com outras escolas e estilos. Como isso é possível ?
José Lezón - A minha convivência com pessoas de outros estilos, tem a ver
por dois motivos: o primeiro é pela minha própria maneira de ser e de ver as
coisas, pois não gosto de olhar só para o meu umbigo. O segundo motivo é
porque em Portugal desempenhei sempre cargos federativos em que estava
constantemente em contato com todas as pessoas dos outros estilos,
tornando-me amigo delas, e dando cursos também. Para mim ir dar curso
técnico de Wado ao pessoal da Shotokan ou de outro estilo, dá-me imenso
prazer. Mas saiba que quando posso, também treino qualquer estilo, pois
penso que todos temos a aprender com todos.
10)O karate, como arte marcial caminha em paralelo quanto ao seu aspecto
técnico (tsuki, keri, uke etc) com o aspecto filosofico e humanista,
conforme os mestres japoneses. O Sr. concorda com essa afirmação ?
José Lezón - O Karate como arte marcial caminha e caminhará intrinsecamente,
tanto no aspeto técnico, como no filosófico e humanista. Aliás, se
completam.
11)Qual o kata que representa o estilo Wado ?
José Lezón - Falando agora dos Katas Wado, treinamos 15 Katas, sendo 5
Pinans e 10 superiores. O Kata Chinto é o Kata típico do estilo Wado-Ryu
pela diversidade de acções envolvidas, particularmente ao nível dos
deslocamentos e posições, assim como, pelo conjunto diversificado de
movimentos rápidos, fluidos e de explosão.
12) O que representa o Do (caminho) do karate para o Sr. ?
José Lezón - Pois é, a pergunta é curta que dava para uma resposta longa…mas
eu vou encurtá-la respondendo a ela deste modo: o DO é de fato o caminho e
ele é sempre traçado pelo homem. Portanto, cada um o deve entender como
achar melhor para o poder seguir convictamente. O meu caminho no Karate por
exemplo, é treinar até ao fim dos meus dias.
13)Fazendo uma comparação com o karate de ontem e o de hoje. O sr. Poderia
dizer que o karate cresceu de forma positiva ou negativa ?
José Lezón - O Karate de ontem e o Karate de hoje…bom, se eu pudesse voltar
atrás, garanto-lhe que não fazia metade das coisas que fiz naquela época,
pois hoje estou sofrendo por causa dos maus treinos que fiz pensando que
estava a fazer uma grande coisa…hoje as minhas articulações sofrem
demasiado. O Karate de hoje tem muitos mais praticantes e evoluiu muito nos
métodos de treino. Com isto apontei já dois casos, um pela negativa e outro
pela positiva. Mas há outro aspeto que quero realçar e que também tem os
dois lados da moeda. A evolução para o Karate esportivo que tem muitas
coisas positivas, tem um que me entristece imenso pelo seu negativismo, o
qual que fere toda a essência do próprio Karate, a sua própria filosofia. É
que na ânsia da conquista da taça ou da medalha, perde-se o respeito e a
compostura, infringindo-se todas as regras do Karate. O meu medo é que o
Karate caminhe a passos largos para mais uma modalidade esportiva e que toda
a sua essência seja totalmente desvirtuada e ferida de morte.
14)O que fazer para melhorar o quadro atual do karate e como unir a
comunidade do karate e caminhar todos juntos para o desenvolvimento do
karate. E possível as diferentes federações e confederações trabalharem
unidas para o desenvolvimento da nossa arte marcial ou a divisão que
aconteceu e um processo irreversivel ?
José Lezón - O que se pode fazer para melhorar o quadro atual do Karate? Meu
caro, enquanto as pessoas que detêm o poder e que normalmente são os donos
das suas quintas e quintinhas, (associações) e não deixarem de pensar só
neles e nos estilos deles, a coisa não vai melhorar não. São as mentalidades
que vão amordaçando e estagnando a evolução do Karate como um todo. Enquanto
tais pessoas não se libertarem dos seus dogmas e dos seus interesses
associativos, e passarem a ver o Karate com um interesse coletivo e
nacional, será muito difícil ele evoluir para o bem de todos. O Karate pode
evoluir coletivamente sem que se perca e descaracterize os estilos, a única
diferença está nas mentalidades de quem os dirige. E pelo que me é dado
observar, aqui no Brasil há um número incontável de federações e
confederações, o que eu acho incrivelmente lamentável e que confirma bem o
que eu acabei de dizer acima. Mas quem sou eu para mudar este estado de
coisas?